segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A reprovação deve voltar à rede municipal de ensino de Belo Horizonte?

Autor: Miguel G. Arroyo e Mário de Assis
Fonte: O Tempo, 31/01/2009 - Belo Horizonte MG

Quem serão as vítimas?


"Tomar bomba": assim chamam os alunos a reprovação. Uma metáfora da sensação que experimentam ao ser reprovados: medo, violência, castigo. Sentir-se vítima de um sistema escolar que vitima milhões de crianças e adolescentes populares. O senso democrático dos educadores da rede municipal nos fez crer que reprovar, vitimar crianças era coisa dos tempos autoritários. Abolimos o castigo na educação familiar, por que mantê-lo na educação escolar? Reconheçamos: é violento castigar, reprovar crianças e adolescentes inocentes. Os altos índices de reprovação se concentram nas escolas públicas. As vítimas são as crianças e adolescentes pobres. Tão vitimados e reprovados nas periferias, na sobrevivência e na violência social.


As vítimas da sociedade merecem ser vitimadas também nas escolas? Ou merecem ser estimuladas pelo esforço que as famílias populares e as próprias crianças e adolescentes fazem por sobreviver e estudar? Os pais que sofrem com tantas formas de vitimação de suas famílias e de seus filhos devem reagir e repudiar essas medidas. Filho reprovado é filho humilhado, desmotivado. Políticos e gestores, vindos de partidos comprometidos com a justiça e a dignidade, não podem ser a favor da volta de tratos injustos e indignos com a infância popular. Menos nas escolas públicas populares. Os educadores sabem que a reprovação não estimula os alunos a aprender, nem os docentes a ensinar repetentes humilhados. Sem estímulo não há aprendizagem nem ensino. Em vez de obrigar os docentes a reprovar seus alunos, o que precisamos é de políticas que melhorem as condições de ensinar e de aprender.

Quando falta vontade política e competência gestora para resolver os problemas de fundo da escola pública, se opta por soluções repressivas superficiais. Castigam-se docentes e alunos com a reprovação. Por que não avaliar com rigor a competência dos gestores? Os professores pedem a volta da reprovação? Há profissionais sérios nas escolas públicas que vêem a pedagogia do medo como retrógrada e autoritária, antipedagógica. Sabem que a volta da reprovação representa a volta de mecanismos de controle do professor. Se preparem, professores: pelo controle do desempenho dos seus alunos serão controlados seu trabalho e até seus salários. Qual será a resposta política da categoria organizada? Há ainda um motivo mais humano para ser contra a reprovação: a quebra de identidade e da auto-estima. A reprovação rotula crianças e adolescentes como incapazes, com problemas mentais e morais. Auto-estima de coletivos sócio-étnico-raciais tão quebrada na sociedade e ainda triturada nas escolas. Carregarão esse estigma de incapazes, de inferiores por toda a vida. É justo? É pedagógico? É humano? O povo e seus filhos merecem tratos mais dignos da sociedade. Ao menos das escolas públicas e de políticos e gestores dos direitos públicos.


Que alívio!


Há mais de 14 anos a Prefeitura de Belo Horizonte implantou goela adentro da sociedade uma escola bonita no papel e perversa na prática. O leigo, quando lê o projeto da Escola Plural, logo se apaixona, mas quando o vive na prática começa a entender que é muito filosófico e pouco prático. A Federação das Associações de Pais e Alunos das Escolas Públicas de Minas Gerais sempre fez duras críticas ao ensino de ciclos, adotado pela Escola Plural. Inúmeras vezes denunciamos que alunos recebiam diplomas sem sequer saberem assinar seus próprios nomes. Provocamos o Ministério Público através da Promotoria da Infância e da Juventude, que não conseguiu fazer a Escola Plural vencer seus desafios. Provocamos inúmeros debates na Câmara Municipal de Belo Horizonte, na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais e na Câmara Federal; no entanto, a prefeitura insistiu em dar continuidade a esse projeto impiedoso.


Onde estão agora os autores desse sistema que esbravejavam dizendo que nós não entendíamos da mente humana. Enquanto nos ofereciam esse método, tinham a petulância de colocar seus filhos no sistema particular de ensino, desacreditando do produto que criaram. Finalmente, o prefeito Marcio Lacerda reconheceu publicamente os equívocos da Escola Plural e prometeu mudanças, como a retenção de alunos. A decisão é por aí, mas é preciso convocar a sociedade para um debate sério, suprapartidário e isento, senão não vai dar certo também. A bem da verdade, não se pode querer uma escola que aprove sem critérios, mas também não buscamos uma escola que meça sua qualidade pela reprovação. Queremos uma escola que consiga vencer seus desafios, onde seja gostoso aprender e ensinar! A Escola Plural pode piorar se a sociedade não fizer parte das discussões sobre ela. A educação é uma grande orquestra sinfônica e o prefeito é o maestro. São necessárias não só mudanças, mas a imediata reparação dos seus equívocos. É preciso trazer imediatamente de volta para a escola os jovens que receberam diplomas sem terem nenhum conhecimento pedagógico e que eram aprovados meramente pela faixa etária. Não foram poucas as razões para que a Escola Plural não conseguisse vencer seus desafios. A Escola Plural foi implantada sem uma política para a educação básica, como a escola de tempo integral e o ensino pré-escolar, o que só veio a acontecer muitos anos depois. Falta a implantação de um projeto pedagógico, com a capacitação de professores e outras ações. É urgente a valorização e a capacitação dos professores, que a bem da verdade estão sendo reprovados em todas as avaliações de ensino. Não dá mais para mandar o aluno e o professor para a escola sem saber o que fazer ou até mesmo entender o sentido de se estar lá, É bom lembrar que ainda que a cidade esteja em obras, com as praças floridas e os córregos canalizados, se o governo for reprovado na educação, sua gestão estará reprovada.

Fonte: http://www.alfaebeto.com.br/BLOG/post_valeapenaler.php?id=52

Nenhum comentário: