Auditório da UFMG. Manhã nublada. Pais, mães e algumas crianças acompanham os sorteios já sem esperança. "É um absurdo. Vim aqui pela fé, tive que esperar horas sendo que é um direito nosso", diz Cristiane, vendedora, mãe de dois filhos. "Só vim aqui porque lá na região de Venda Nova, onde moro, não tem mais vaga", explica.
A situação da UMEI Alaide Lisboa foi a mais gritante: 1.110 inscritos para apenas 75 vagas. "Isto é mais concorrido que muito vestibular. Eu já estava com emprego em vista, mas não vou conseguir trabalhar porque não há vaga para o meu filho. Ia ser o meu primeiro emprego", desabafa Liliane, 26, dona de casa, mãe de quatro filhos.
Na UMEI Castelo não foi diferente. Foram 67 vagas para quase 600 inscrições. Na turma de 04 a 05 anos, por exemplo,sequer abriu vagas para o sorteio.
E o que resta às mães que não conseguem vagas?
Aquelas que não tem alternativa vão trabalhar e deixam seus filhos com parentes ou pagam vizinhos. A grande maioria, quando é casada, permanece em casa. Deixam seus empregos ou não procuram mais. Érika Souza trabalhava em telemarketing, tem 24 anos e um filho de três: "Desde que ele nasceu, eu tento e não consigo vaga. A escola particular é muito cara. Meu salário é muito baixo, iria trabalhar só para pagar a escolinha. Então fico em casa", explica.
Já na UMEI Carlos Prates, a maioria das turmas não abriu vagas. Foram 121 inscrições para apenas 6 vagas. E as únicas contempladas são de berçário. "É frustrante. Dizem que é sorte. Mas como eu vou ter sorte num sorteio de uma turma que nem abriu?", afirma Elizete, mãe de Douglas.
PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NÃO SÃO VALORIZADAS
Em 2003, a prefeitura de Belo Horizonte criou o cargo de educador infantil que diminuiu drasticamente o salário das professoras.
Antes da criação do cargo, as professoras de educação infantil recebiam o mesmo salário das docentes do ensino fundamental. E quando se graduava, recebiam o mesmo salário de um professor de ensino fundamental e médio. Com o novo cargo, passam a receber quase a metade para exercer a mesma função.
A educadora infantil e diretora do Sind-Rede/BH, Wanusa, explica a situação: "A prefeitura se utiliza do argumento: para ampliar a educação, que também não está sendo feito, ela diminui os salários, precariza a educação e desvaloriza o trabalhador". Isto acontece porque a prefeitura ampliou o atendimento à educação infantil dentro da mesma verba, não houve aumento de investimento na educação.
"Nós, educadores infantis, somos duplamente castigados: com o salário pequeno e uma demanda enorme", explica Wanusa.
A discriminação não ocorre apenas na questão salarial, mas em condições de trabalho também. O educador infantil não tem direito à extensão de jornada como o professor (que recebe o mesmo valor hora-aula quando dobra). Mas apenas jornada complementar que estabelece um valor menor. E, além disso, deve trabalhar 1 hora a menos, o que prejudica o funcionamento das escolas.
A quantidade adequada de crianças por professora também não é respeitada. Portanto não há condições de atendimento individualizado que garanta qualidade. Isto acontece porque a PBH segue a resolução 001/2000 do CME que prevê um quantitativo maior do que estabelece a LOM e o parecer de 1998 da CEB do CNE.
As escolas ainda são forçadas a aceitar duas crianças a mais na sala quando são de medida protetiva ou com deficiência.
Soma-se a esta realidade, a existência de UMEIS inadequadas ao exercício da educação infantil. Muitas são pequenas, abafadas, mal cuidadas e sem espaço.
UNIFICAR A CARREIRA É O PRIMEIRO PASSO PARA VALORIZAR A EDUCAÇÃO INFANTIL
A educação infantil passou por muitos anos de luta até que deixasse de ser vista como política de assistência social e ganhasse o lugar de destaque como modalidade da Educação Básica.
A Constituição Federal de 1988 foi o marco que rompeu essa tradição no país quando determinou a Educação Infantil como dever do Estado brasileiro e direito das crianças e não apenas das mães trabalhadoras.
A LDB, lei promulgada em 1996, estabelece a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica, reafirman do a responsabilidade do poder municipal com o financiamento dessa fase da educação.
Foram anos de discussão até a criança ser entendida como um ser sócio-histórico, que precisa de mais do que cuidados. Junto com esta nova visão, veio a mudança no papel dos profissionais da educação infantil que passam a ser mais valorizados.
A Prefeitura de Belo Horizonte está na contramão da história
Nos últimos anos, estabelecemos como parte fundamental da pauta de reivindicações a unificação das carreiras.
De um lado, a tendência das legislações e estudos aponta, cada vez mais, para que a educação infantil seja definida como parte da educação básica; e os profissionais sejam denominados professores.
Do outro, a administração municipal insiste em desqualificar esse profissional, por meio de uma nomenclatura diferenciada, direitos reduzidos e salário bastante inferior ao de professor da rede.
A rotatividade do quadro profissional da educação infantil, desde o primeiro concurso até hoje, é mais um exemplo da falta de investimento.
Quando completam sua formação superior, inclusive com cursos de especialização, na primeira oportunidade deixam a rede. Os educadores vão buscar trabalhos que valorizem o investimento que dedicaram à sua formação. Essa situação prejudica a qualidade tão propagandeada pela PBH.
Histórico: SindRede em defesa da Educação Infantil
O Sind-REDE/BH luta, -- mesmo antes da criação do cargo de educador infantil -- pela valorização desses profissionais. Com a greve de 2005, conquistamos direito a calendário igual, e níveis fundamental e médio.
Muitas outras conquistas se seguiram, como reajustes maiores, direito ao horário de projeto e ampliação do quadro.
Na greve de 2010, um dos pontos centrais foi a unificação das carreiras.
Neste momento, o Sind-REDE/BH encaminha ao executivo e ao legislativo um Projeto de Lei construído com a participação das professoras da educação infantil, que estabelece a unificação das carreiras.
O Brasil tem avançado nesta modalidade: A Resolução 2/2009 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação veda diferenciação salarial entre os níveis de ensino.
Vamos seguir a partir do início de 2011 com essa campanha. Prentendemos intensificar a coleta de assinaturas para o Projeto de Ação Popular pela unificação das carreiras; divulgar o novo PL que construímos; e principalmente colocar nosso movimento novamente na rua. Vamos exigir do governo municipal que valorize os trabalhadores em educação infantil!
Em BH, existem 200 mil* crianças (0 a 5 anos)
15 mil matrículas na rede pública
30 mil matrículas na rede particular
Ou seja, cerca de 80% das crianças fora da escola
RETRATO DAS ESCOLAS
Públicas: 54 UMEIS e 26 Escolas Municipais com turmas infantis
Particulares: mais de 600 unidades
* Dados aproximados/Fontes: Censo 2009. IBGE, DataSUS
Fonte: Sind-Rede/BH
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